quinta-feira, 24 de julho de 2014

Não possuía mais medos nestas circunstâncias de sua vida...Quarenta primaveras nas costas em que carregava muitos cigarros e vinganças,e sabia reconhecer muito bem tudo isso, riscando com a faca na madeira,as suas várias críticas para as mortes.
Eram,por mais que não se permitisse,propaladas as suas histórias pelas serras extensivas e cerradas,onde o seu nome ganhava respeito com o sacolejamento do uísque em conversa de bar,entre conversas sérias e desconfianças;ninguém fazia ali,o mínimo papel de bobo,instituir paletó de madeira não agradava ninguém.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Maria Isabel



Havia uma insistência nele de importar-se com os pequenos olhares,caminhando rotineiramente as retinas sobre as janelas vermelhas envelhecidas com algumas estrelinhas douradas graúdas,onde as paredes da sala fria eram agredidas de maneira intermitente,pelo madeiro no vento que não descansava.
Na esquina onde uma senhorinha passeava com seu beagle energético,ficava com o pensamento distante,sofrível,talvez disciplinando com o que guardara das ruas estreitas,no interesse da voz que não desistia nunca o coração,algo prolongado por décadas e que lhe embaraçava estranhamente o peito.
Uma vontade mais forte e cheia,criando inúmeros preparativos,convites,marcando o armazém Melchior & Cavalcante,o pintor sensibilizado que descobria um novo rosto rosáceo,a padaria de que dava fila, os postes que beiravam luz nas conversas dos mendigos,os esgotos repentinos e fétidos construídos nas chuvas de julho, os zéfiros inconstantes que costuravam folhas amarelas caídas das árvores do centro.
E se acertasse hoje o caminho da canção fina e saltitante,da pequena casa que abraçava os abacateiros e sua madureza de frutos ,onde corresponderia os ouvidos influenciados ganhando suas horas na praça cheia,nos aplausos em casa com ingresso VIP,onde ele era muitos ouvidos e risadas isoladas por ela.
Ele que sabia melhor transmitir os seus choros cuidadosos pra casa azul onde crescia os seus sonhos encolhidos.
E Maria Isabel  quase todos os dias atravessava as mãos na cortina de seda com certo capricho.Onde os dedos trêmulos e suados descobriam a cidade e a brincadeira das meninas no pula corda,na avenida principal.
Perto de seu Luiz,um polaco que perdera um Banco e hoje vendia perfumes numa pequena banquinha exposta rente às margaridas vistosas e letras graúdas indicando os preços.
Pelos beatos passantes e chatíssimos com cheiro de ervas ainda constrangendo pessoas com discursos duros e apocalíticos.
O tecido branco corria com certa pressa,recolhendo-se aos poucos no canto direito onde repousava os livros da estante;para que visivelmente o sol manifestasse o seu calor egoísta nas costas do sofá marrom e nas folhas ordenadas sobre a mesa baixinha de jacarandá.
Maria Isabel gostava de cantar com largas escalas,e deixava um pequeno lacinho envolta à camisa branca,eram duas voltas bem trabalhadas no pescoço frágil.
Os pés  guarnecidos em saltos escarlates e os quadris vestindo uma média saia lilás plissada onde terminava pano nos joelhos e abria grande destaque para as pernas bronzeadas.
Quase todas as sextas-feiras saía às pressas,como um devoto atrasado adentrando embarafustante a procissão religiosa.
Na sexta-feira que se ia tinha que 
vê-la de qualquer jeito às seis,correndo veloz e desviando-se das poças como um menino arteiro.
Saía do bar do Aristides ajeitando os cabelos esvoaçantes com as mãos espalmadas,e ofegava a cada minuto pelos passos que ficava a dever;os passos cada vez mais pesados,brutos.
Os minutos sujeitavam qualquer atenção presa e tensa para os pés,os minutos poderiam ser longos demais e sabia.
Só Maria Isabel não suspeitava de nada.
E a sua voz era como um trovão bem agudo e cintilante ganhando vida pelos nomes de rua,abrindo encantos  e sonoridade ao coração,uma medalha após corrida,algo que ia pra plateia de um homem só que vigiava a janela portuguesa e esperava o findar do espetáculo para os aplausos.
Nada melhor responderia seu timbre de soprano,vinha daquele raro instante da tarde,e somente ele conseguia diferenciar e conversar bem os seus monólogos,por ela.
Os frequentadores do bar do Aristides já o conhecia de muitos carnavais,entre risadas e outros motivos jocosos,Aristides e os demais conversavam a respeito;tentando achar as inúmeras explicações pra tanto fanatismo do moço.
E ele nem se preocupava com isso,só se importava com o relógio e a admiração transparente que tinha pela loura do Coral.
Pelo pequeno corpo que via ao longe ensaiando e lhe convidando para outras estações.
Sentado agora com a camisa aberta no banco,tratava de beber da pequena garrafa e beijar um cordão feito de couro e topázio,a única coisa que a mãe deixara e que acreditava ser um amuleto de grande sorte.
Maria  andava de um lado para o outro observando o espelho,preocupada com o treinamento severo,imaginando as notas certas e a sua delicadeza.
E o castigo parecia presenteá-lo com os seus limites,bem de pertinho,sem avisar;ou não seria nada disso,seria coisa da sua cabeça? Talvez se passasse algo dispersivo,um prazer sereno e existencial?!
Ele mesmo nem sabia o que dizer,seria mesmo algo,assim? O que seria certo e o que seria,errado?Na ideia de pensar nela?E somente nela?
Esperar horas e horas por aquela única sensibilidade que lhe invadia e reconhecia as bobagens de estar, apaixonado?Num banco de praça? Tentava evidenciar tais curiosidades,porque nunca se achara em nada interessante e Maria estava tão distante,e tão distante...
As palmeiras balançavam diferentes e seu sorriso vinha conjuntamente sem perceber,entender a sua realidade que se perdia sem ao menos poder falar nada,sem nada de transmitir suas expressões e reflexão,tudo isso parecia lhe doer muito.
O mistério se guardava por detrás da porta e assumia esta vitrine todos os dias,e quando chegava o dia para cumprir a sua força,cumpria muito bem a sua promessa sem maiores dizeres pra quem quisesse escutar.
E compreendia a beleza que crescia tão amável,vinha em grande parte dos refrões que preenchiam sua alma feito uma andorinha cruzando céus certíssimos,vinha da Maria que lhe devolvia as vontades e o aprendizado acreditado no agudo.
Ajeitava os cabelos molhados e coçava a pouca barba,bebericava lento enquanto que os pombos pousavam perto de seus pés no concreto duro e quentíssimo.
Fica lembrando da primeira vez que viu Maria,e que fora um grande espanto imaginar tanta coisa em tão pouco tempo.Foi na igreja num domingo cinzento e que a impotência das pernas fizera muito efeito,queria tanto levantar e cumprimentar aquela mulher,fazer a diplomacia ser grandiosa e especial,porém;o que existiu apenas foi o latejamento do peito,e alguns pensamentos futuros e incertos.
Era um dia que queria esquecer o passado,furtar-se de certas lembranças,só que a imagem da mãe ainda estava muito presente,havia riscado na folha o oitavo dia de sua ausência.
Maria tinha percebido vagamente a presença,percorrendo as paredes douradas e os santos pousados em seus pedestais.Os cabelos volumosos e a face triste bem à sua frente lhe chamaram a atenção.
E a única arma que possuía era um palavreado preso que ameaçava prevalecer,e só ameaçava no fundo;nada mais.
E Rita acompanhava as amigas no andamento da música e nas risadas curtas,no medo de que saíssem da entonação musical.
Brincavam,beliscavam,entendiam,
deixavam acontecer a conversa silenciosa que pairava naquele lugar entre os dois.
Com os movimentos estáticos e após o coral;
permitiu que ela fosse embora,não sem antes lhe contar confidente e através de um bilhete esverdeado, os seus grandes poréns e sinais atarracados de paixão.
Entregou nas mãos de Lia que entendera o recado,ainda com a fronte baixa,no momento em que passava pelo genuflexório rapidamente e ia ao encontro da amiga.
Na saída,sua tia ia ao lado,
alisando-lhe o braço e contando os causos surgidos dos vizinhos,enquanto que Lia lhe entregava macilenta o papelzinho nas mãos e sorriso nos lábios,de maneira bem disfarçada sem que a tia percebesse nada.
No início achou um grande absurdo,ousadia gratuita de tentar a todo custo uma primeira conversa sem ter porquê,e em segundo porque desconhecia as fronteiras daquele homem que soprava mundos tão desconhecidos para suas noites acordadas.
Maria também queria soprar mundos de volta,queria esvaecer suas agonias que não tinham direções,alguém pra lhe firmar novas trilhas,seria ele?Pensava com a cidadela à mostra e com as miríades que abrilhantavam  montes tortuosos.
E então,os demais dias esperaram qualquer coisa de respostas,que não vieram até ali;a insistência e a sequência de pular aquelas etapas traçava muito bem a sua resistência supervalorizada,conversar com a Lia sobre o turbilhão de ansiedades que reinava no seu corpo,ganharia mesmo algo de tempo?Seria isso mesmo?
Porque ainda poderia desabafar outras mensagens que não saíam de sua cabeça,aliviar uma sequência de dilemas,sim,as vontades interessantes cresciam e decidiam o verdadeiro sentido da madrugada.
Seja o que fosse,queria naquele momento qualquer resposta de Maria,mesmo que fosse um não cruelmente aceito e lhe percorrendo veias.
Era inevitável então desconhecer a vontade interna,inevitável desconhecer aquelas pernas que caminhavam impúberes até a casa azul,e reproduzir todo gracejo que lhe passeava nos ouvidos.
Por muitas sextas-feiras Maria Isabel cantou sem que soubesse dos caprichos de quem lhe habitava tão querido.
E era ali acobertado de inquietações que ficava,entre um gole e outro,sem tirar o espírito parvo do banco,pensando na menina tão breve que ensaiava suas divagações.
E a chuva ia tomando os sobrados e  seus enigmas intransponíveis,caindo de maneira perdida sobre seus ombros frágeis,lavando os olhares arrastados,pesando os fios sobre o rosto suado,lhe refrescando levemente a pele seca.
Aguardava tudo em circunstâncias indefinidas, numa espécie de viagem estranha,bem calmo,tímido e com muitas flores apresentáveis.
Ainda que não fizesse sentido nenhum,ele ficaria ali, mesmo que lhe chamassem de bobo,ele ainda assim ficaria ali,só que de bobo ele não tinha nada e nem era.
Maria voltava o rosto para sua tia Mirtes,que profundamente solfejava novos procedimentos para o acerto musical.
Conseguia enumerar os trechos com impecável atenção,através dos óculos redondos de acrílico que pousavam no meio do nariz adunco.
Pedia que se expressasse devagar,com elegância,afinal de contas;não era qualquer voz nauseada que se arrastava pelo salão branco.
E ela então tocava sua  garganta cansada,ajeitava o laço de maneira terna e gentil,no bolso ainda ficava o pedido do estranho,alimentando um novo começo a se cumprir.
E como deixaria: a sua tia,e a pequena cidade,e o coral?
Como se desviar de tudo ao redor?Ficava por vezes muito nervosa,convencida de que aquele devaneio todo era apresentado como uma grande máscara perturbadora aos seus entendimentos pequenos.
Pela janela conseguia identificar as águas que compareciam com certo refrigério,e Rita então pôde perceber o vulto que se escondia atrás da barba e das palmeiras novas.
Era um velho monarca que não sabia e não entendia do seu reino.
As flores tinham um cheiro diferente e ele se sentia isolado,a chuva dançava e invadia os seus poros e o seu corpo esguio.Era uma espera doce,compreendida e reservada que explicava tudo.
E Maria lhe chamava de alguma  forma,lhe consumia,lhe espelhava o desejo.
Foi saindo aos poucos,com os saltos enterrando-se na gramínea curta,as pernas quase lhe provocando uma queda desordenada,o andar indo mais acelerado;e ele percebendo a cena pulou do banco num ímpeto extremo,jogou os pés bem pra frente,seguindo também apressado,bem atrás das duas.
A tia estranhando o homem desconhecido comentava o fato aos ouvidos,sussurrante.
Certa hora cansada,bradou 'Sai tarado do Aristides!Tarado do Aristides!' para ver se acabava com toda aquela palhaçada de perseguição.
Ele observava tudo ao redor,os velhos imóveis,árvores e os transeuntes distraídos que proseavam,não ficara com medo da voz,não,pelo contrário;continuou sua firmeza nos pés,sabia que a velha detestava o Aristides e as piadinhas de balcão no bar,sabia que o detestava.
Falou alto então,tentando chamar a atenção de alguma forma,disse algumas besteiras,já sabia que o 'não encontro' estava consumado e ia encerrar-se de outra forma
'Maria,preciso falar com você!Eu preciso falar com você!'
'Você não vai falar com esse troglodita,ouviu Maria?Quem ele pensa que é?Lhe procurando assim,perseguindo você?'
O andar agora ficava mais atrapalhado,e fôra possível surgir uma harmonia desconhecida que conversava,Maria tentava alinhar-se ao seu raciocínio,ao seu quebra-cabeças inacabado.
'Maria,o meu recado é verdadeiro,são tudo caminhos!Maria, podemos fazer tudo diferente!'
E foi arrancando o laço do colarinho que apertava,no seu silêncio imediatista,oportuno,lembrando de cada linha e dos acertos semelhantes de ambos,queria fumar um cigarro ali e sabia que a tia odiava cigarros,queria
falar-lhe a sua natureza,o bem-estar das linhas que sacudiram suas ideias como uma luva.
Enfim parou,mesmo que a força da tia ainda operasse qualquer seguimento,já sabia o que queria,não tinha como voltar atrás.
Deu um beijo na Mirtes e tirou os sapatos,foi correndo ao seu  encontro sem nenhuma demora,com aquela nuvens de promessas consumindo novas campanhas, debaixo da chuva,com o cheiro de flores irmãs,por que não?


sábado, 16 de novembro de 2013

Vinho

O vinho ainda se encontrava na mesa portuguesa de cedro,com uma tonalidade rubi escura intensa,ao lado das flores  vermelhas que murchavam vagarosamente e dos retratos antigos de família.
Márcia deixara a bebida  ali com um possível  significado,porém,qual significado?Sim eu falo da estranheza  e com várias ressalvas na mente,porque eu já não estava mais com a Márcia,só que ainda dispunha  a chave de casa.
Não existia bilhete ou cartão com dizeres afáveis,apenas o vinho italiano,nada mais.
Preparei o café e passei manteiga em dois pães ,sorvia a cafeína com um jeito distraído,distante,procurei algo na secretária eletrônica,em vão.
Telefonar não seria uma saída interessante,ela mudava de celular como alguém que renova o armário de seis portas,e muito menos era adepta de redes sociais.
A sorte talvez surgisse com um email antigo, que havia deixado no bloco de notas preto,na mesinha de cabeceira do quarto.
Lembro que estava apressadíssima pra um voo, e que qualquer emergência responderia por ali mesmo, anotou ainda alguns telefones comerciais,a ração  certa pro gato e o  número do chaveiro,a chave para o meu azar havia quebrado nesse domingo.
Ligando e ligando,número indisponível,ela havia mudado o celular.Ligar para mãe?Não,só me traria sermões desnecessários.
Os cigarros acabaram,assim como o amor,e comprar às duas da manhã não tem graça nenhuma.
Abro o vinho tentando achar alguma revelação diante do papel de parede adamascado.
Beberico rememorando os pequenos episódios e paladar.
Procuro roupas, dentro,encontro um terno azul escuro comprado no Mercado das pulgas.
O meu pensamento agitado,cogita enormemente  e claro  por estes dias, algo que faz-me enxergar um outro paralelo para o relacionamento,eu nunca pensei em trocar a fechadura da porta.
Talvez este seja o sinal,a resposta em tese,talvez eu encontre a Márcia,talvez eu responda com uma contraproposta de vinho.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

(Horas vazias)


Nesse momento quando dei conta de mim,ainda exibia um certo sono,um clima tristíssimo invadindo minhas veias e peito,e que me remetia lançar os olhares e gestos vagos no decorrer das horas com grande lucidez,eu me sentia ilhado tentando compreender os seus entendimentos e apelos,tentando entender o meu rosto desconhecido e cansado.Abri então a pequena janela branca que dava pros fundos do prédio e onde ocorria a tradicional feira de
segunda-feira,mariscos era a atração principal do dia.
Acordara naquela manhã com meus fantasmas bem apresentáveis,descortinando sem mistérios cada atitude esquiva de levar o propósito da ligação mais à frente.Olhei em volta e tudo que via era apenas o telefone preto à espera,uma ou duas ligações quem saiba,em vez de esperar esse tremendo silêncio que seguia,tudo turbilhonando cedo na minha cabeça solitária,uma confusão de histórias e medo de perder seus sorrisos.
Examinei a carteira e ainda existia uma foto 3x4 dela, com os cabelos bem longos e negros,a boca ainda bem perdurante.
Eu nunca mais tivera contato desde aquela fatídica chuva,e este tempo incerto me carregando para tantas leituras,era uma fuga,um elemento castrador que alimentava o golpe da ausência.Vários livros espalhados e participativos pela cama,um cinzeiro vermelho e a antemanhã de frases que ainda me perturbava todo o pensamento.
A penumbra ganhando os quadros no quarto e que foi palco de tantas encenações de amor.Era a solidão do dia chegando mais intermitente,no interesse de ressentir os meus erros,de encontrar a minha cidade,acertar-me com o gosto de
vê-la novamente.
Rever este pouco que ainda me cabe nos ponteiros mortos,quando o cigarro alcançava apartamentos e o corpo apreendido por imagens e mundo supreendia,de tê-lo sido bem instantâneo e mágico,quando as risadas combinantes dominavam o espaço dos travesseiros.
A feira dava nova condição para rua larga onde os feirantes gritavam seus produtos,os carros passavam com certo cuidado e buzinas,e as pessoas maquinalmente despertas naquela alvorada, escolhiam frutas maduras para os filhos.
Eu mais ali adiante fiquei com as minhas dúvidas merecidas,faria ou não faria aquela ligação,ela receberia de antemão os meus pedidos de desculpas ou não...

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O som do piano perdido


As ruas mal iluminadas contrastavam com a sobriedade das paredes cinzas da rua.
Cartazes de velhos shows ganhavam destaque com seus tons chamativos e escarlates,as letras garrafais assumiam  suas linhas sobre o espaço do muro até a esquina onde ficava um velho bar conhecido da praça.
Na ausência em que se sucedia os meus pensamentos presos,algumas passagens ainda teimavam durar sobre os desterros recentes e a minha vontade de acender novos critérios era diário,como regar plantas na varanda com um cuidado extremo.
As retinas semi-abertas ganhavam o horizonte estranho,e a psicologia defasada do silêncio ardia incessantemente,tudo era um descontrole, uma tempestade involuntária de sentimentos rondando todo meu corpo.
O som do piano ainda acontecia e os dedos derradeiros se distraíam levemente nas teclas,era uma revisitação gostosa que se proporcionava aos ouvidos,quando a música distanciava a tarde e o relógio, e o convite de seu rosto registrava  ainda uma tentação de
tê-la de volta.
Os pés andarilhos e maltratados ainda era cercados de histórias e casas,arredores que passeou e observou de longe com certa saudade conhecida,madrugada de sábado chegando e parecia que o som ainda ganhava as velhas formas pela janela,espalhando suas notas por árvores e cercanias calmas de ventos.
Não que eu não tentasse sequer uma voz,paulatinamente embrutecido pela tristeza  e padecimentos constantes,nada disso,eu tinha uma confiança que nunca se apagava,de levar sempre envelopes e deixá-los no correio da casa,e não hesitava em momento algum  passar as linhas insatisfeitas pelas horas na sala,lembrando o piano,o cuidado que possuía ao virar as páginas,a serenidade sem-conta passeando pelas curvas dos corredores e a alma à espreita assumindo esta imobilidade,seu rosto tomando outra cor  e os braços dissidentes recapitulando as notas,entendendo as ações,era um rosto angelical em meio ao suor que brotava da testa.
E o puro pretexto de saber e tentar buscar novamente seus braços,fazia com que a caneta fosse um alicerce.
Uma alavanca destemida a abrir portas,uma saída que se punha na folha de papel.
Amanhã eu faria a passagem de novo,talvez tivesse a sorte de escutá-la naquele domingo movimentado com feira,amanhã eu poderia entregar meus sentimentos à porta.

sábado, 20 de abril de 2013

Condenação oportunista



Ora se via debruçado e bem calmo sobre o balcão,não limpara os óculos e se empertigava pouco pela guisa de consolo que o retrato exclamativo sobre a mesa transportava em inúmeras vontades,sabia que a saudade lhe invadia noites tremendamente cansadas e rascunhou perdões não ensaiados no cérebro curvando a cabeça provavelmente pro quinto andar do prédio em que esganiçava mudo o rematado ogro particular que vivia'talvez não saia para regar as plantas'disse em voz baixinha!Finais de semana apresentando-se tão negativos,nem mesmo seu canivete jurava uma imagem impassível golpeando o cedro com traços cirúrgicos precisos e curiosos,uma natureza de linhas secamente escritas e que relatava pelas esprimidas letras a esperança da serventia da boca viver novamente morada.
Olhou o relógio intrigado pelo que a vaidade queria,as luzes todas estavam apagadas e a única chama que resplandecia sobre seus olhos era um fósforo descoberto ao acaso no bolso da camisa cinza,queria ainda ter motivos para viajar à Paris ou matar de uma vez o uísque empoeirado que morria penalizadíssimo entre o veredito de Camões e grossos volumes de Quixote,já era um próprio descuido em ter tantas invencionices e tantas impressões tiradas pra compra de feira que nunca fez,o papel relatando incômodos valores na geladeira branca e nunca guardou qualquer semana pra arrancar este peso de consciência e ir pras ruas,quem saiba ter a chance mínima de encontrá-la com aquele vestido rosa que conhecia bem ao vê-la na praça comprando lírios ,praticamente descoberta de pieguices de pessoas que falam mal ou contentar-se com seus cabelos escovados num chapéu bem sugerido,uma gargalhada espontânea e entusiasmada chamando o taxista e pedindo mais tarde ajuda pra levar as compras.
Não queria mais ficar esperando aquela loucura de olhar por debaixo da porta pra perceber se havia algum recado,uma carta de amor,queria mesmo era acertar uma nova folha pras teclas e preparar uma história que agradasse,que rompesse a condenação oportunista que nunca quis causar e deixar de tamborilar as várias perguntas leiloadas sobre o esquecimento neutro.Aproximar às narinas pra tinta,tentar entender porque as máquinas de escrever estão morrendo em larga escala,imperceptíveis senhoras que venceram séculos e hoje se aposentam em decorações de salas íngremes.
Era um chamariz desconcertante observar a pálida janela descascada,absolutamente preenchida de vasos e verde e nada mais restringia a ordem dos excessos e o que era difícil não era a espera,era o frio ao redor e as teorias cochilando sobre as estantes,sobre os acordos do medos que não respeitavam calendários e coração.Havia escrito várias páginas que nunca viraram cartas e três rasgadas que arriscou xingamentos e curioso que imaginava ou tinha mera suposição de como ela tocaria àquelas plantas,acreditando ser uma nova criança e inventando frases afogueando pétalas e raízes respondendo bem por seus crescimentos,as mãos bem sinceras socorrendo os minúsculos galhos,assim sabendo o rosto e nada hesitando em acompanhar com destreza o mesmo embalo.
Examinava fio a fio e interrogava-se moralmente dizendo que a cada dia mais parecia com seu pai,o que nunca quereria abrigar tamanha incumbência já que era plausível a reposta e relação de dois planetas tão diferenciáveis.
Porém morava uma estação de orgulho com sua própria chave escapando pelos poros e mais tarde apressando a ideia de que a solidão fazia refeições diárias ali,bem presente e incitando seu espírito.
Cadê seus prováveis braços informando canções e mencionando que o café estava definitivamente bom? E suspeitando o próximo filme a ser assistido e porque não sai logo e examina a janela,não deixe acabar todas estas cigarrilhas apanhadas e cartas que esperam pela sua gentileza,forçar um confessar fatalmente rasgado sobre minhas olheiras e súplicas.
Por que não compreende?Vai molhar as plantinhas,enquanto fico seguido de minhas teclas provocando um estranho estalo nada combinativo pela musicalidade maquinal,entregando ao porteiro meu corpo na pasta e observando o quinto andar sem coisíssima alguma de abrir a loja,ainda é muito cedo e eu ainda quero uma visita,perceber teu leve acenar sem pressa entre as samambaias,não quero pensar que amassou outra carta,quero deixar tudo bem apurado como álbum de família.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Giuliana

  
E observava a casa velha entre os abacateiros magros e descascados,casa velha que administrava os sonhos impotentes desde criança,no fim da pequena estrada de barro e pedras,na fatalidade do obscurecido sol que morria atrás do moinho,e que compreendia uma fachada branca com desenhos abordando naturezas primitivas e um entalhe indiano com folhas frondosas assumindo colunas,e que moderamente abria linha circular até atingir a porta de entrada cortada em ripas.
Vestia regata branca e azul índigo,cabelos molhados que exploravam os ombros curtos,duas argolas prateadas na orelha,alguns discos de rock progressivo debaixo do braço e três cigarros no bolso direito.
Os olhos perdidos,cegos,mediante os vitrais escarlates que reinavam sobre os cantos da sala e sofás,a foto da namorada que continuamente causava reconstrução pro seu estar no mundo,uma impertinente sensação que lhe cobria o sossego do corpo,a arrumação dos móveis à antiga que ainda guardava da mãe;ali,naquele ponto incomum em que discorria suas ideias,sentou sobre o carpete felpudo e deixou a agulha estender-se pelas janelas retangulares,atingindo o orquidário caseiro,a mesa de jacarandá com fruteira e dois vasos de louça que a prima havia trazido de Belo horizonte,invadia as cores de Monet e Renoir,das botas e chinelos,dos livros espalhados pela estante e o cheiro de grama molhada após chuva.
As sofísticas frases que alimentavam a espinha dorsal e que apelava pra uma espécie de estranha tristeza, carregando na carne e assumindo um andar desenfreante e torto até a vitrina,correndo contra sua nuvenzinha de horrores e retirando dali uma agenda com capa de alumínio arranhada.Alguns cartões antigos,páginas depenadas sobre o qual a mão folheou à convite do passado sem razões,alguns dizeres escuros proferidos,corações pintados e ordenados nos números de datas,nomes riscados,baralho de frases,seta indicada com a palavra 'medo' na letra C.
Não obstante conversava com seus sorrisos sem respostas,em cada página e em cada lembrar perdido;um rejuvenescimento contínuo,declarado,exercitante, tudo certo na espinha dorsal que pedia flexibilidade e limpidez.
Foi em setembro de 1968,gravata borboleta tirada da gaveta pra uso no catecismo,do cheiro particular do Bobó de camarão de Dona Zinha que mexia com perpetração leve,cozinhando a mandioca no leite de coco e mais tarde sendo levado pro liquidificador,amarrava um guelê branco farto e penduricalhos de penas com cores vivas,cheiro bom que me falta ao estômago até hoje de Dona Zinha,depois o bolo de macaxeira ralada crua e a tapioca servida com café encorpado na mesa xadrez,trazia o bule fumegando e xícaras douradas,naquele verão de arder terra eu ia ao catequismo e furtava terrivelmente cajus do Dr.Mauro com Biné,perto de onde o sr. Nicolau com sua fastidiosa tarefa, arrebentava madeira pra juntar lenha e eu descobria o mundo pela fechadura do quarto de hóspedes, magnético.Era a mistura do profano e religioso,coisas que resgatavam a pequena agenda e música,desejos uniformes,desejos coibidos e virgens que selava meus teatros, comicamente.
Eu já passava para o terceiro disco e mais algumas páginas,como pôde ter ficado ali;por tantas e tantas passagens e eu nem sonhar em
tocá-lo?
Desacertos,estações,domingos,
estudos,derrotas,condenações,
postais,musicais,namoros,
telefonemas,fotos,fotos e fotos e eu tentava sequenciar o campo de infantaria dos atrasos,e analisava a agenda em entender suas empalidecidas folhas e seus sábados e seus casos, e eu nada de saber dizer,nada de melhor definir o demasiado descaso de jogá-lo de lado.
Porque tantos maltratos barulhentos rodeando os passeios,vozes altas arranhando os ouvidos,e linhas irresponsáveis que foram crescendo no somar dos anos,o mundo não lhe pertenceu,chegou tarde pra entender os comportamentos,as frustrações,o longínquo parecer da sabedoria.
E agora são outras águas que descem sobre sua cabeça,sobre os telhados de louça onde esconde a Monark laranja aposentada na garagem.
Das aventuras cortando o riacho da mijada da velha,sinuoso leito em que atirava pedras e confessava segredos pros Umbuzeiros afastados,por que tentar agradar e nunca vir uma resposta de consolo?De tentar ser amado,tentar ajudar,ser interessante?
Ainda dava tempo de chamar a Giuliana,esperar a sua companhia avançar e tomar os severos acertos e pegar a Monark e subir os terrenos ajardinados com ela,desfazer aquela atmosfera cinzenta e a música então girar como passista de escola de samba,e o torrencial vagarosamente conduzir-se pras montanhas e descerem em curvas caudalosas,por entre pedregulhos e galhos secos,e teimar nas investidas das pedaladas e esquecer a última vez que o arenito amarelo polido fechou no enterro do pai com coroas,a pedra tapando o rosto e a volta sem um porquê de palavras,foi nesse mesmo dia que conheceu Giuliana,tão poucas linhas de conversas e uma ausência de séculos até o próximo encontro,Giuliana tinha 12 anos e usava uma jardineira verde,eu carregava uma gaita e um bloco de notas e detestava a minha gravata,fomos apresentados sem cerimônias e entre cochichos,e desde então nunca esqueci o rosto da menina de jardineira verde.
E se ela atravessasse insipidamente aquele matagal do jardim, e combinasse o seu vestidinho azul e flutuante,e cortasse as flores e chegasse até a porta e tocasse a campainha,do seu jeito séria,porque ela sempre aparentava feição séria,porém eterno sorrisos cobriam suas maçãs; e que depois gerenciasse uma sutil atenção e repousasse a firmeza dos olhares pela sala que respirava músicas,e somente o coração sabia o quanto eu precisava da Giuliana,decididamente.
Giuliana toca a campainha,eu escondo de novo o caderno pra vitrina,saberá quantos verões eu não irei procurá-lo novamente.