sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Entendimentos


Não,não tinha nenhum ressentimento apossando-lhe a mente e tampouco expirava os pulmões à primeira menção das coisas,as suas memórias eram fiscalizações deformadas de poucos amores abstraídos pela vida.Acordava aos poucos,esticando os firmes braços pro céu e com os olhos ainda inchados, virava a cabeça pra direita e o que existia era apenas um porta-retratos vazio.
Havia esquecido filhos,dizeres,jornais,cartas.Um verdadeiro e absoluto mestre da solidão.Ou quem saiba ainda estivesse esperando àquela melhor impressão de floreios lhe surgir um dia,mais que ainda não havia aparecido,como anúncio de emprego no domingo.

Ele Pensava nisso enquanto jogava sozinho o cavalo no tabuleiro, e foi caminhando seriamente sua existência até a varanda ventilada, obedecendo os seus miúdos olhos claros pro sexto andar.
Havia estado naquela cidade por mais de trinta anos,sempre com sua atenção tímida de caminhar sozinho pelo centro,conhecendo cada centímetro de pedra levantada dos concretos, suas sancas de gesso retilíneas defrontando as largas paredes alvas das sacadas. Sabia conferir bem cada detalhe dos emoldurados de frisos dourados e pequenos,os arcos bem redondos que ganhavam extrema leveza na tarde.Respondia a conhecidos como um peregrino distante,com acenares curtos e rápidos, marcando uma suposta resposta de amizades.O chapéu lhe caía bem sob a careca rosácea,enterrando-se perfeitamente até o limite de suas sobrancelhas semicerradas.Vez ou outra retirava da cabeça para limpar a testa gordurenta com um lençinho roxo que ficava dobrado na lapela do paletó.Morava num prédio moderníssimo e quase não via razões de sair dele,gostava de Goethe mas não conseguira/tivera tempo de vender sua alma ao diabo!Era difícil objetar as profundezas de sua alma! Por fim e sem maiores cuidados de entender todos estes seus fracassos, aceitou o empreguismo inerente de ser apenas um matemático sem números.Houve certos dias em que cenas distraídas de sua íris ganhavam passado, um conjunto ingênuo de ter treze anos e interpretar muito bem o barulho dos trilhos do metrô em Montparnasse, onde ligeiramente dormitava quando voltava da escola. E ao chegar em casa,deixando os grossos livros sobre a mesa,contentava-se com a música existencial de'Mood indigo' e outras de Duke Ellington que rolava na vitrola quase todas os dias.
Ali enfiado entre dois travesseiros de pena brancos,confrontaria o seu pai cansado que voltava de alguma cervejaria.E se alimentava das pequenas impressões que o jazz acontecia.Ora despertava dentro dele esta escrita agonizante da saudade,parte de um sentimento que deixou e que vinha agora com um sentido confuso e especial,um gosto de imaginar como seus filhos estariam...Que fora tão desfavorável como pai...A música vem chegando com uma naturalidade bem oferecida,conversa a gravidade do tempo presente,e seu pai ainda permanece ali;dormindo os mais lindos sonhos no reinado de uma cama.Já era mais do que tempo para reformular sua cabeça,de encontrar-se publicamente com a senhora do sexto andar e lhe lançar um sorriso melancólico de trinta anos,trinta anos que divisou e impacientou a fala.Toma um banho,passa colônia francesa no corpo,se olha no espelho demoradamente,penteia os finos cabelos com certo ar de confiança,molha o rosto paradoxal e pesado,fica tentando se entender na linha incompreensível do ser,assobia em notas altas na saída de casa.
Se desloca com cem mil frases até o outro prédio.O porteiro pergunta pelo nome,ele responde: nome e sobrenome,faz-se então uma breve pausa e a porta elétrica se abre.Toma o elevador,a chave tetra gira duas vezes na porta,uma diminuta senhora perplexa e emocionada abre.Ele fica naquela manobra condenável de pensar o que dizer,convida-se pra entrar.Amanhã, seu pequeno porta-retratos prateado à altura da cômoda,terá um rosto novo pra viver entendimentos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Pendências


Não,não sei se você vai querer ficar e depois atacar de megalômano e baixar os olhos enquanto mata mais uma vez a garganta com vodka,e vai deixar-me ajeitar os cabelos com a escova,e jogar Robert Schumann bem alto e bradar pelos quartos de que não precisa de analista e sentar na cadeira queimando seu Jose Piedras confirmando assim a sua impaciência.Eu já não sou mais aquela mesma menininha que você conheceu,sabe?Que ficava par oportunité de tudo que você controlava e aderia devagarinho,e que nunca deixei de odiar esta tua calça larga que teima em usar sempre nos domingos.Tenho alguns livros,um caderno de notas e um fichário rosa, pra mim isto é mais do que necessário pra passar minhas tardes.Porque sei que vendeu a televisão pro vizinho dizendo que aos poucos se livraria de todas nossas coisas.E logo vai chegando esta madrugada que tanto espero,rompendo claramente sua projeção pelo vidro do quarto e eu querendo esvoaçar loucamente estes meus cabelos negros pela praia vermelha,e mais tarde um pouco quem saiba;molhar os pés atabalhoados nas águas gélidas.Você ainda não percebeu nada meu querido,mas tem atravessado uma avenida de erros e medos na tua ridícula máscara.Eu não tenho mais tempo pra refletir sobre isso e nem quero, nem com estes teus cabelos brancos arrepiadinhos querendo um cafuné precipitado.Ah,mas porque você deixou-me assim neste estado querendo mais cigarros,de perder-me em qualquer bloco de rua e não me siga nas minhas aventuras.Ainda vai ficar com as magras mãos de veias saltadas azuis,tamborilando sobre a mesa da sala tentando entender o meu grito,ou porque Júpiter em câncer é assim mesmo, tem uma certa compaixão controlada mas que não dura tanto.Que eu nunca mais aceitarei esta mise en scène diária tua.Você rasgou meu único diário conhecido tentando acordar alguma atenção de ciúmes,e com ele todas as lembranças metálicas que preservei,talvez nos encontremos no elevador pantográfico,você tão inseguro e eu com meu mais novo perfume.Vai querer ficar por trás da janela tão inválido,alcançar alguma nuvem numa manipulação de despedida tortuosa.Porque eu estou sem meus avisos e eu faço os meus dias e você não observa a sua barba por séculos.Os meus saltos me empurram pra beleza e fico horas me olhando no espelho,que eu entendo bem da haute couture e já comprei verduras e fiz uma salada com bastante azeite e limão,e sei que vai descer novamente e procurar o Doca e pedir uma porção de:arroz,feijão,alguma carne e legumes, linguiça calabresa,couve,batatas e farofa,vai comprar o jornal esportivo e assistir o jogo no telão.Vai pedir duas doses de xiboquinha e rir sozinho batendo forte na mesa do balcão,e eu serei de outros enquanto não se vende este apartamento.Fique com sua prisão esboçada na carne e suor,no seu tabaco que peregrina cortinas aflitantes,porque eu compreendo muito bem estes meus úmidos olhos que vagam entre os orgasmos,no meu dizer acordada às três da madrugada revelando estranhas confissões e depois vir o alimento do sono.De acordar e abrir a geladeira beber uma água gelada e comer alguns frios que estão na tábua,escrever uma nota na porta e pegar um táxi,de aprender que a desilusão agora tem cheiro velho e a lascívia me dá outros contos pro caderno,e eu não estou mais insegura,e eu não estou mais insegura,jamais meu bem...