quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Blocos de concreto



Leve batida do gargalo no copo.A espuma cresce cobrindo todo o americano gorduroso e despenca plantando uma queda d'água assimétrica na mesa plástica vermelha.Algo de sonho natimorto talvez cobriu suas revisitações de protesto.Uma voz ganha ciceroneamento e mantém relação de respeito com seus anos imutáveis,anos burros,se misturando no lúpulo-compasso que o dedo arrisca desenho;na linha contada: indicador/médio.A angústia é uma nascente costumeira que se guarda como utensílios domésticos numa gaveta pérola.Na escada, observava uma senhora gorda noticiada de dores praguejando seu filho morto,era os conformes do destino,sequer palmilhou trinta anos nestes quatros cantos da morte pra saber o futuro.As construções surgiam e eram verbalmente guiadas pela militância do pastor vestido em rubro,blocos levantados sem assinatura de engenheiros abrigavam corpos e músculos atordoados na Capital, revelando o sonho escrito nos tijolos tortos dos morros,dos ingredientes do barro e cimento alheios ao contraponto da moral ou devoção de santos.

A rede suprapartidária de novos fiéis movimentava o latifúndio litúrgico,ganhando e contabilizando o bolso dos novos patrões emergentes.

Já foi benzido e iniciado por mãe Iná no Tambor de Mina.Abaô no meio da roda que ganhou guia e aconteceu alma!Acomete mais uma lembrança na suspeita do copo,ou será que foi a lágrima que ajudou?!Sob seu olhar evasivo distancia uma rodoviária suja,com poucos ônibus cinzas que contaminam praças e barraquinhas de vendedores que recebem dióxido de carbono da descarga diariamente,espera nervosamente a chegada de seu filho maranhense que nunca mais viu, vinte e cinco anos de espera,quando deixou a última conversa perdida na fonte do ribeirão seguindo pros afogados, e mais tarde; rodoviária.

Diz-se que o menino desde cedo cresceu aos costumes do avô Apolônio,que subia em palmiteiro no trançado de folhas de buriti, e ralava e prensava bem a mandioca pra fazer 'puba' pra mingau na boca da noite contida.Perto do amanhecer lavava o balaio aberto de vime, colhendo verdura e fruta madura no quintal,à tarde acabava a taipa de supapo misturando o barro arenoso com os pés, pro entramado de bambu verde que foi colhido no matagal da colina.

Apolônio procurava por Anhangá há tempos,e sempre chamava Carlinhos(o nego)-pra desbravar o mato de Viana com o canto reservado dos bigodinhos e cigarra-do-coqueiro, sob as macaúbas andadas que davam fartos coquinhos docinhos.Levava um punhado de tabaco no bolso caso necessitasse pleitear a embiara prometida com a visagem.Carlinhos já nessa época deixara de ser pequeno e conhecia a trilha como os antigos,metia o pé com cuidado cuidando das pernas pro nocivo não lhe pegar.

Os guarás deitavam vista de longe esperando hora desejável pros caranguejos-uçás,era hora morta de ataque,quando os crustáceos se escondiam no mangue, revolvendo-se no solo profundo da costa.

Nego sempre pensava no pai, quando maquinalmente colhia o último carinho ofertado na despedida do ônibus,último perfume borrifado do mercado de seu Moisés,as mãos contritas e suadas que agarravam a barra de ferro na subida da porta,um olhar demorado aguardando o futuro e um apanhado de placas apontando onde estava a cidade grande.

Ele recebia o seu interlocutor mais intencional por cartas semanais deixadas na caixa postal dos correios,contando sua aventura por viadutos e ruas,na tresloucada distância entre pessoas e preços e prata,nos bares que descansava o trabalho,nas manhãs nevoentas que a face arriscava o frio.Na sua mente,a única coisa que ainda contava presença,era a espera da república da democracia fazer agitação nos dias fechados de cólera.Contou sobre o pequeno quarto alugado e a bacia de alumínio pro rosto,duas velas vermelhas penduradas no criado mudo provençal,espelho arranhado na porta com vários lembretes,moringa de barro e uma rede velha em que se deita empurrando o pé na parede, pra adquirir catarses e sono.

Quando quer mulher procura a Doralice,que chama as meninas pra acabar com seu fogo.'Ali menina,lava tudo ali, na bacia!'A puta de primeira viagem não entende os ritos,e confusa,tenta assimiliar o que o moço barbudo quer.'Ali mulher!Eu não tenho o dia todo!Se lava ali,tá vendo?Na bacia à sua frente,na mesa baixa!'Conta ainda em folha pro filho, que o sexo é seu desabafo pras instabilidades reinantes,porque já não está tendo mais forças pra vencer,porque suas limitações definharam, e é somente no gozo, que encontra respostas de continuar tentando ser super-homem!

'Por que você coloca aquelas velas vermelhas acesas,em cima do criado mudo?Eu tenho medo de macumba!'

'Ora,largue de falar besteiras mulher!Tem nada de macumba em acender velas,elas foram feitas pra ofertar!' 'Minha mãe sempre falou que tem essa coisa de diferença de cores,eu não estou gostando,não quero essas velas perto de mim!' 'Se não está gostando,arrume suas coisas e deixa eu dormir!' Se calou então, desafiando medo na réstia da chama dançarina,que ficava em cima de uma latinha de chocolate.Puxou o braço moreno pra bem mais perto,sufocando parte da garganta e peito, e ficou assim na morada incômoda até dormir.

Nego chega às três da tarde de uma quarta-feira de novembro,o rosto não mudara nada de menino,apenas o corpo que cresceu como touro.Vestia camisa listrada e botas,carregava uma mala curvim xadrez com bordas douradas arredondadas.Abraçou longamente o velho até quase lhe partir as vértebras,lhe entregou a carta que Apolônio deixara antes de morrer,e ficou parado ali,por certo tempo imemorial;tentando compreender ou crer absorto naquilo tudo que chamava de:momentos.Nego lhe toca o ombro e diz que quer conhecer o bar que ele tanto falava,ele o observa com lágrimas presas, e passam a tarde como pai e filho,amanhã estariam levantando blocos e o que divizava curvas já não tem mais distância.