terça-feira, 6 de abril de 2010

Sobrevivência

Carregava uma champanha para aveludar a garganta e pensamento.Duas,três taças cheias, acho;porque nos meus níveis de temperamento ininteligíveis,girava àquelas velhas pilhas na cabeça.Talvez eu tenha trazido a bebida pra esquecer aquele algo,mais o algo por vezes nunca se esquece.
Nas árvores úmidas cantava o eco de ventos; como torrencial de vozes passageiras,vozes calmas que invariavelmente salvam o gosto solto da solidão.
Eu não iria ali a passeio,nem pra perceber os lilases quentes inundando montanhas.Voltei ali para designar a imagem do acidente,voltei pra importar as dores germinantes do espírito,daquele clamor abafado que conspira seco e que; argumenta dramas e sobra uma certa gordura palpável de misérias.Foi ali mesmo que por anos recusei o meu olhar,recusei comprar fugidio estas passagens substanciais de tensões,pausas de explicar muitas ou tantas vontades das histórias,de meus papéis que deixei por escrever na América,na pena que ainda está ali parada;conservada entre livros grosseiros.
Naquela madrugada chuvosa,recordo-me de algumas cenas seletivas e partidas, aconselhando dobras do estudo da memória.Do medo transversal vestindo os ossos rígidos,da explosão de pedacinhos de vidros irritantes procurando-me a pele do rosto.Uma certa voz ao longe de um francês magro nervosíssimo,agachando o rosto e ligando pra vários números, trêmulo.Fincando dentes na ponte de neblinas,esgueirando-se por troncos no hálito noturno do mato.Eu estava mais distante,o alarme intermitente do carro avisando sobre todo ocorrido,grande parte da lataria cor de chumbo amassada,e os faróis reconhecendo as gramíneas rasteiras.Não sentia meu corpo,parecia que a cabeça era o único bastardo dos membros.Ele berrava aos prantos,andava de um lado pro outro.As mãos molhadas levando o celular e portando um pulôver de lã na cor branco, o qual lhe aquecia.
Eu queria fumar um cigarro,mexer qualquer coisa dos dedos,tenta tendões,tenta.Mas não havia.Será que estou morrendo?!Uma pista derrapante e um destino traçado,segundos impiedosos que não voltam nunca mais.Meu carona falando mais alto e mais fervoroso,já nem sabendo mais o que fazer,o que conversar mais prático,naquele momento?!Eu queria ainda transar!Falar de amores nobres,dizer sonetos rompendo diapazões!E onde está?Um chuvisco mais forte horas atrás,intenso,turvando grande parte do horizonte desconversado,rompendo águas infantes em beira de estrada,adentrando as árvores vermelhas quase caídas,investindo sobre a pista particularmente sinuosa, quebrada por lombadas sérias e altas.Queria sumir dali,tornar-me oco na terra,queria sentir minha liberdade e consegui...Hoje revisito o lugar depois de tantos anos, está tudo tão diferente!Com cambucizeiros frondosos mostrando o local da tragédia.Ali perto brotou também um vilarejo precoce.Onde uma velhinha com vestido amarrotado em que pouso cena,cercada por suas varizes pontudas,lava diversas roupas brancas na murada pequena.Um outro senhor careca e bigodudo resgata hortaliças maduras.E crianças buchudas brincam de peteca no barro preto.Meus sapatos sujos atravessam alamedas, carregando a garrafa quase no fim.Mas será mesmo que eu, sobrevivi?

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