quarta-feira, 24 de março de 2010

Manguezal

Corríamos como loucos com o vento nos nossos cabelos.Sob a sola de nossos pés compreendia:o preto e branco,preto e branco;passantes enormes no palco de ladrilho xadrez do corredor do colégio.E que traduzia bem todo o embarafustamento das franzinas pernas.
O pano farfalhava alto no acerto caído da bermuda azul,dos garotos trôpegos que semelhavam maratonistas.
Estávamos todos hipnotizados de histeria,perambulando olhares pelos corredores e escadas,atacados;abraçando um certo sangue frio intenso na fuga escolar.Por detrás das colunas jônicas sóbrias poderiam se esconder inspetores,padres,delatores,alguém do "SOE"morrinhando trabalho.O certo de tudo é que tínhamos uma certeza;o grande portão azul com flores desenhadas,acabaria com tudo aquilo.
Era estranho as batidas do Vulcabrás tocando a argamassa depressiva,serralhando metragens de concreto nos finos pés de bolhas.Íamos ganhando cada vez mais espaço,mais limite,torrente selvagem de quadríceps consumindo indulgentes às escadas acima.Secos por matar aula e o esboço dos sorrisos canalhas vagueando espremidos por nós três,como quem ganha vídeo game em manhã de aniversário.Lembro que nesse dia Marcelo perdeu o óculos perto da terceira árvore rente à saída,e ficou gritando à nossa espera que nunca existiu,acabou por fim mais tarde desistindo de procurá-lo.
Do outro lado da linha, se pulava e gesticulava o abandono estrangeiro em dez metros do amigo.As veias de esturramento então cresciam e cresciam,congraçando mortalmente mais o bico dos dois.Discussões nebulosas surgindo.Que mais tarde fosse comprar outro caramba,que ia ferrar todo mundo e cala a boca que nós somos dois.
Marcelo era filho de professor africano que disciplinava duas matérias na instituição.Gordo e desengonçado,nem era chacota pros amigos,pelo contrário;era um grande defensor da turma.Saía distribuindo socos nas órbitas sempre que fosse necessário.Principalmente nos garotos da sexta série D que se achavam.Eles conheciam muito bem a sua direita e nem incomodavam nada a nossa vida.Em troca dávamos amizade e figurinhas raras.
Eu era o mais velho dos três,diferença de dois ou três meses na escala do tempo.Nunca fui ou pensei ser mentor de algo,pelo contrário;as ideias eram todas sustentadas claramente na pequena assembleia da turma.
Lembro que eu era bem esquálido,com a ossatura dos ombros à mostra e tinha os cabelos bem cheios,quase atingindo a pequena testa rosácea.Sempre gaguejava quando mentia e meus óculos eram mais feios que o de Marcelo.Tinha o costume de polir os sapatos de forma intencional e protestava quando alguém ficava me olhando por muito tempo.Eu desenhava por horas pra desligar conversas ou lia contos russos porque já amava vodca,mais o que eu queria mesmo era ficar sozinho.
Já o terceiro amigo Marcinho, era o amigo rico e relações públicas.Quando algum problema surgia,era ele que estava sempre apto pra resolver qualquer tipo de mal entendido.
Mal-arrumado,gostava de calças largas,cortava todas as suas camisas e escrevia textos com tinta no relevo dos tecidos.Mais o que ele mais amava mesmo era o seu Walkman Sony.
Mal as pessoas conheciam o cassete e ele alimentava os ouvidos com:Midnight Oil,Australian Crawl,Live,Marillion,Morissey,Joy Division,Pretenders,Echo & the Bunnymen,e outras bandas australianas.Ele iniciou-me o gosto do rock com seus bolachões importados ouvidos no volume máximo.Daí mais tarde foi um pulo pra eu gostar de contar coisas,escrever coisas e quando alguém perguntasse pra mim o que eu queria ser quando crescesse,eu diria:-Quero ser poeta,poeta caralho!Não escutou??
Nessa época eu já ensaiava alguma coisa de: Drummond,Torquato,Jards Macalé, Chagal,e Leminsky...Mas Mayakovski era mesmo o rei.
Não existia celular nesse período e até hoje nunca me fez falta,o dito aparelhinho sempre atrapalhou meus melhores momentos!O destino a que se referia o passeio, seria o shopping que ainda se construía,teria dez andares e um centro comercial.Ficava cercado pelo tapete de lama fria de manguezal com seus caranguejinhos ágeis,que corriam matreiros pro buraco quando nos viam.
Quando chegamos ali ,a primeira coisa pensada foi tirar os sapatos;para mais tarde enfrentar a imensa massa cinzenta que chegava até à altura dos joelhos.Nossas forças iam se sumindo precariamente,mais a tudo era permitido o sonho.Marcinho levantava bem alto o Walkman,eu tentava achar alguma tábua solta pelo caminho,enquanto que Marcelo por ser mais alto não tinha tantos contratempos.Chegamos em terreno sólido onde ficava o cajueiro anão de quatro metros.
Ali se torrou castanha-de-caju e inventou-se histórias,e era a visão mais linda que se via de toda cidade.Falamos sobre o futuro,profissões e recitei alguns versos infantis na folha de caderno.Falei sobre Ana Luíza com quem me casaria,de quadros que iria comprar, e da Turquia que tinha que visitar um dia.
Depois daquele dia nunca mais voltaríamos,o cajueiro acabou dando espaço pro estacionamento e o prédio hercúleo acabou matando a visão gostosa da paisagem.Hoje eu recebo um comunicado da escola,Fernandinho havia matado aula e o coordenador não tinha gostado nada...

Nenhum comentário: