sábado, 6 de fevereiro de 2010

Relógio mecânico

[Em homenagem a Dudu Caribé...Amigão que me falta muito...]
O táxi freia repentinamente,são três horas da manhã e uma morena de cabelos fartos que não lembro o nome,projeta-se para frente,destituída de todo senso;como um soco fechado medido no sétimo assalto.
Os sons de buzinas fartas serpenteiam desdéns,proclamando o fim da discussão inútil e silenciosa entre os dois veículos.
Sob o oposto dos arranques repetitivos, a garganta de palavrões sanam a melhor resposta de comunicações.
Estou inerte,os ossos bem pesados encharcando a noite longa,mendigos ao longe dormem em comunidades de jornais amarelecidos que abraçam o corpo magro.Tudo se equilibra flagrante entre meus goles infelizes,cheiro de esgoto de rua e borracha queimada de pneus.Revejo na extenuante luz,o cemitério de velhos cartões;passo a passo pelos olhos mecânicos,vou desmembrando os textos vigilantes que vagueiam em suma,quase inexistentes...Outros,janela bem próxima de meu sol vivo.São cortinas exatas e amoladas à pele,como pernas renascendo aflitas para os degraus.As frases esquentam meu outro passado,explode meu escritório estrangeiro que já não lembro aonde fica."Com todo o meu amor..." "Que viva muitos e muitos anos..." "Olha o que me lembrou você..." "Para o palhaço que mais admiro..." "De tua cidade que lhe espera sempre..."Não consigo distinguir nada de mim e de meus interiores que cantam sinos.Escapo por pedaços de calçadas inchadas e jardins saudosos, que disparam sempre o mesmo ridículo adeus.
Copiosamente me faço doce ou amargo,sendo até arrogância para o peito acompanhar a fonte de vida assim,na perpetuidade dos ponteiros automáticos que nunca pedem sono.Mais em tudo insisto,em tudo invento,escolhendo alívios atônitos na própria merda,nos copos sem valor que disparo bocas,na mulher que transaria sem camisinha,no carro batido que outrora redesenha o metal partido...
O pajé me visitou na quinta,esfregou raízes às minhas costas,abundou expressões;minha cabeça às escuras compreendido de febre,agarrou a ideia de que nada mais poderia ser feito.Dava-me tremuras.Preparou garrafada,ficou morto de cachaça,reprovou a minha cura encolhendo o pescoço e falando propriedades.
"Espírito precisa respirar,sopra tua cinza,guaraciaba!"Entorpecido; resignei grosserias,armei minha chegança para o sofá,enquanto ele plantava o término de ajuda em rezas altas pela casa.
O vizinho embaixo libertava acordes de seu violino espanhol, ganhando novas graças pelo ar.Uma música triste como meu tempo que desatento; influía canteiros dúbios.
Depois de semanas eu só respirava meu vizinho e suas músicas tocadas do quarto,acordando apelos estranhos ao coração.
Estou engolido por pancadas d'água,e pelas mesmas vozes molhadas que atravessam carros.Nada mudou.Quanto tempo ainda acordarei?Somarei minutos?Como vou justificar-me no espelho?!Querendo não me contar,nem ouvir.Saber se abrirei minhas pálpebras sobreviventes,figurando neste final de cabelos grisalhos que ainda teima reinar no resto da dose.
Será que o vizinho levemente tocará novos arranjos, quando me for??

Nenhum comentário: