quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Promessas no diário


Era calma manhã de quarta-feira, quando hospedou-se numa pensão escura da Lapa,levando apenas uma malinha marrom à tiracolo entre os dedos direitos, e alguma finitude de palavras que saltava para o dono do estabelecimento.Tinha um jeito de John Wayne carrancudo, esteriotipando andar engraçado e interiorizado;e um bigode amplo que as maçãs sabiam enfrentá-las muito bem.Traduzia na essência de dimensões do rosto magro,qualquer coisa de sofrença mascarada,um par de olheiras cavadas e roxas,como túneis rompidos na pedra bruta de mármore.Era um ter de não mostrar sorrisos a ninguém,direções,lembranças,família.Os músculos secos e severos,talvez de tanto empregar andanças por lugares e moradas sem rebocos,como beato padecido em romarias velhas.Óculos se acomodando no adunco nariz vermelho e gorduroso,tinha tédio e sonolência repetida,trazia embaixo do braço um livro de William Blake que traduzia.

Em alguns momentos reproduzia envergonhadas manias,como não subir com o pé esquerdo as escadas que levavam ao seu quarto;pelo contrário,ao invés disso se conduzia sempre com o direito. O corrimão bem liso e palpável,relembrava certas histórias que a mãe contava,como não escorregar por ali,não brincar com as escadas.A mãe tinha face angelical,e travessia de rugas calmas como rochedos acúleos,a boca pequena e contrita,aflita,lhe dirigindo sempre com severidades estúpidas.

Cresceu só pela casa vermelha e grande,o pai já não desfrutava mais do mesmo mundo;apenas seu pequeno e esculpido barquinho que brincava perto da beira do rio,perto das saias de dona Marta que lhe preparava a janta.

Agora já pobre e coitado,deixava correr lágrimas de sal pelos lábios,sentindo gotículas lhe cravejarem dores.Retira a gravata lentamente e senta na beirada da cama.Abre a malinha marrom e retira dali um pequeno diário que já o acompanha anos de estrada.Anota alguns pensamentos frios,se desaparece nos travesseiros.A comida lhe é servida mas não toca,deixa pra outra hora.Sentia naquele estado oportuno onde ficava,algo parecido com seu ambiente familiar,algo quase com cheiro de madressilvas e uma terna voz maternal a lhe ressoar à frente,quase lhe tocando as mãos e agraciando.Desceu com certo espanto e suor,movimentos quedantes,os dedos passando sobre as finas madeixas.Chamou o dono,queria fazer uma ligação para outro Estado.Para uma pessoa com quem ele não falava há doze anos.Uma voz se fazia presente e histórica.'Alô'ele retrucou:'Oi'e caiu perdidamente em choro dali pra frente,com seu diário vivo agora podendo falar ao colo maternal.

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