quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Cárcere de pernas

Pois eu me via injustamente no cárcere da cama.
Minúsculo,trôpego;com o pavor explícito me invadindo verbalmente o crânio, herdando nas mãos tamborilamentos sem-conta,procurando entre as andanças dos dedos molhados,qualquer cigarro vacilante ou invisível, que se agarrasse aos lençóis azuis.

Da paisagem da janela via nuvens disfarçantes,que se transmudavam contemplativas sob intermédio de ventos sabidos.
A porta bruta do meu quarto ficava aberta.Deixando perceber lá fora, o carrilhão amarelento da sala, uma cadeira pequena com roupas amassadas em cima,e um quadro vanguardista europeu;que meu avô havia me presenteado.
Dona Olga me trazia pontualmente aspirinas às quatro da tarde,sempre terrivelmente londrina.
E não adiantava me fazer valer peditório,eu havia aceitado o acordo.Duas aspirinas para relaxar as dores,em troca de café.E cafeína pelo menos eu deveria ter no meu corpo.Já que os cigarros me foram cortados.
'Pronto,sua aspirinas,e agora o café!Não adianta ficar com essa cara emburrada!'
Engolia quase todas às vezes aquilo com certa severidade.Tinha dias que a Olga se recolhia mais cedo, sem correr os olhos para meu rosto; e eu malandramente escondia tudo debaixo do colchão.Odiava aquele gosto de fel ímpar na boca.Queria levantar dali e voar no pescoço da Olga, ou dar-lhe vários safanões sequenciais,mas por enquanto;aquilo seria apenas futura tática de guerrilha à prestações.
Era estranho ver o mundo desta forma.Eu parecia um cadáver pronto pra ser enterrado, quase constantemente deitado o dia todo pro nada.O desgraçado medo que não me desculpava a inteligência.Olho para móveis e teto diariamente,cortando as visões entre os livros certinhos,empilhados na estante; e outros bagunçados.Para os desenhos antigos que rabisquei e que guarda ainda;um certo copo largo com água rasa.Ali já morou um doze anos.
Meu corpo suando,meu corpo suando...Berro para Olga trazer mais café.A idiota finge que nunca escuta.Uma aranha sabe fazer traços tão eternos num canto de parede.São linhas mágicas que lhe monta a sensibilidade e o apreço de artista.Tão fina as teias,tão leves e ao mesmo tempo fortes para prender inimigos.Eu também sou artista porra!!Eu quero levantar-me daqui porra!!Quero ocupar-me com vários traços e linhas também;quero misturar tonalidades de pastéis,quero fusain, acrílica,aguarrás,espátulas italianas.
O céu nunca me inspirou tanto uma tela,como esta moldura quadrilátera de janela celestial que; passeiam fora,nuvens metaforseantes que não acabam mais. Estou desaparecendo na minha própria tragédia demorada.Tudo por causa de um bêbado idiota.Esse mundéu imóvel que apunhala-me o peito queria para outro.Eu sentado;bebendo cerveja e pintando no Alto da Boa Vista,é a única coisa que lembro,a única coisa...Depois acordei numa cama de hospital,com parte de meu corpo já imóvel.
No chão, dezenas de garatujas e bustos no quarto.Tem dias que sonho com praias diáfanas, deixando a maresia assinar seus aposentos às minhas narinas.As águas lambendo as panturrilhas crescentes,as ondas com suas sinfonias indesejáveis vencendo pedras raquíticas.E minha camisa saída de vida,deixando o sol devorar seus raios sobre meus ombros.
Grito desesperado por Olga'Eu quero cigarros,quero cigarros...Me traga a porra dos cigarros, Olga!'A megera sempre finge não escutar-me...Quando eu sair da cama Olga,quando eu sair da cama...



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