sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Ensaios dos cotidiano


Adentra o salão respirando os ares da livraria,não existe nenhuma pressa nesta mulher que embala os saltos negros habilmente.Vem com passadas de pernas reservadas,panturrilhas poderosas que montam a escala dos minutos.E minha importância já se vê patriota,declara a grande povoação de descobertas,de teorias, de acertar àquela linha de curvas e comitivas de andanças.Obtemperar a construção do desejo, tudo escondido por detrás dum livro rosáceo que apalpo sem comentar trechos.
Ela avança uma coluna jônica e mais outra,faz-me dobrar todo o juízo pro leste,na divisão das prateleiras azuis de fotografia.
E fica assim com sua procura mais que paciente,ressalvando a fina postura egoísta dos ombros,ganhando os nomes em dourado no dedo indicador, nos caprichos das capas e dos volumes,em autores,em linhas,acolhendo alheia os olhares num vasto inquérito,na verdadeira cadeia de saudades,e quando se vê; já está revisitando seus velhos amigos.
Quem me dera conseguir atingir os trinta passos para o território desconhecido e roubar a bandeira bem escondida debaixo das pedras.Eu quero lançar os dados,seis?Beleza,avanço seis.
Me perpasso pro canto de Noel,e já sei o que ele me diria:"
Linda pequena,Pequena que tens a cor morena,Tu não tens pena de mim,Que vivo tonto com o teu olhar,Linda criança,Tu não me sais da lembrança,Meu coração não se cansa,De sempre e sempre te amar..."Jogue os dados.Perca sua vez.Não acredito.Mais quem é aquele?Ei,Vai embora! Tire suas mãos do ombro dela,não dê este sorriso mais debochado.É algum amigo somente e está conversando e nada mais,daqui a pouco ele vai embora.Ah!olha lá o que eu estou dizendo?Apoderou-se de dois livros e já está saindo,isso,faça isso,vá pra direção do balcão que agora você me deixa mais aliviado.
Jogue os dados.Avance três passos.Me deparo com a sessão de culinária.Dali posso arriscar sua alma enérgica,cercada por uma fina voz que examina os recortes negros e que termina num queixo triangular pequeno. E a boca coberta por um pequeno brilho, parece revelar uma longa comitiva sentenciosa,quase me tirando todo o conforto,tirando meu ponto de lição pra outra prateleira.
Eu vou chegar ali pedindo informações, ela com certeza me ajudará.Me direciono para sua seção com as mãos no bolso e a fronte um pouco caída,escutando seus estudos numa confusão sentimental que me declara leves impulsos.Pergunto:
'An,poderia me orientar em algo?Eu não conheço quase nada de fotografia.'Ela reina num sorriso com uma estatística quase de poesia. 'Eu também não conheço muita coisa,sou apenas uma curiosa' Descubro então mais tarde que ela não é fotógrafa como achava,mas sim uma escultora. E ela descobre que eu não sou chef,mas sim jornalista.No domingo tiraríamos fotos no jardim botânico...


2 comentários:

sindro disse...

Oi Adorei o seu blog, passe lá no meu blog de textos, beijos.

Thiago Quintella de Mattos disse...

Me lembrou muito um conto de Cortázar. A descrição da figura impactante, o controle em narrar todos os movimentos e impressões preterindo o que antes era o principal, o livro rosáceo. Ao fim o objeto será fundamental para pular todas as etapas do "jogo de dados", motivados pela poesia de Noel. Técnica de Anton Tchecov, também. Mas, claro, está dualibiano... e continua... que retratos virão do Jardim Botânico? Vejo além das coisas botânicas alguma melodia, algumas, em uma nota só, de um chapéu, par de óculos, e um charuto.