quinta-feira, 23 de julho de 2009

Bênção de águas

A chuva que bate no vidro é: bem clara,bem rasa,materna.
Sensibiliza e acentua todas as extremidades das retinas.Caminha serpenteante e de diferenças,quase invisível.Uma velha escala de veias aquosas e desabotoadas,que vão desordenadas pelas mudanças inconstantes do vento,na inquietação do misterioso cenário de choros e de tantas nuvens sortidas...Talvez de enlouquecimento?!
É um transe estranho que abriga prédios e guarda-chuvas,carros contorcidos nos sinais,ruas sem asfalto que respinga lama.Persegue uma ordem inversa,uma vontade impressionada,de correr suave como afago,tudo com arte,ou seria isto pura charlatanice?Sim,porque tem aquela coisa de saber montar desenhos bonitos,perfeitinhos,na decalcada superfície da criação.As estatísticas nunca abandonam ou falham,os pingos d'água que se rebatem na casa,é sempre véspera de cama ,sonho e mansidão.
São corpos sem dignidade que se rasgam como kamikazes num ataque, que não tem nenhuma compaixão,se arrebentam no granito áspero,nas janelas espaçosas,na plantas desprotegidas,nos passarinhos que extinguem asas.Vão gritar suas fraquezas sem ter medo,sem renúncias num alpendre qualquer,um obssessivo espírito senhor que adora pregar seus sinais.E que parece deixar relevar: quem saiba mensagens criptografadas,no contato da visão?Sim,porque gostam de fazer valer a sua presença.Estão ali tais pontos,maiores ou menores,grossos ou finos,linhas pisoteadas ou incertas.Aquela vírgula certinha ali por exemplo;já bem produzida,você já reparou?Não viu?como não viu?Ora,ela está bem ali, mais do que resolvida até,fazendo seu balé aerodinâmico,ainda não?Tudo bem,tudo bem,vamos fazer de outro modo.Tenta enxergar um pouquinho mais além,mais perto,isso,desse jeito.Talvez isso possa ajudar em algo.Veja;ah!Olha lá;sim,lá está a figura...Ao lado daquele 'L' alcançante e narcisista,com pinta de nobre euroupeu com título.Que faz companhia ao 'O' separatista, marcando seu território em grande metragem.Aqui ninguém passa,este lado é todo meu.Um ponto de exclamação vê tudo de cima, mas não fala nada,de tamanha surpresa que recebe o recado.O 'A' subnutrido até tenta,mas desiste rapidamente quando percebe que vai apanhar bastante...Em tudo vai se lapidando,sem demora,montando várias marcas segmentadas no corpo vítreo.Construindo enigmas formidáveis,até se tornar uma quase possível escrita.
Ficamos impelidos e acostumados,com aquela doce música histérica conhecendo paredes,estacionando umidades na mesclagem da sujeira da fumaça dos carros.
E por falar em carro?O meu está bem ali estacionado, daqui dá pra vê-lo muito bem,vermelho com a lataria arranhada,placa de Belo Horizonte,com adesivo de carta de baralho na lanterna esportiva traseira do Gol.Vai sendo cerceado por fontes marrons e fortes,lavando pneus,banhando metal,condenando sua saída do local.
Fico agradecido e um tanto estranho por aquele relato de compreensão da natureza,de me tornar mais insistido e adequado...Quando então eu descerei pelas escadas,e tirarei os sapatos e meias,pisarei o chão público e preencherei o meu emprego naquele espaço inerte,onde a água que assina e chora,faz carreira turbulenta por meus ombros limpos...

4 comentários:

Unknown disse...

Adoro seus contos... são tão cheios de vida e humanidade!Amo-te...

Thiago Quintella disse...

A gama, a teia desses pensamentos foram no ritmo das águas da chuva nos vidros da janela.

Tati disse...

Olha só: comecei a ler e tive de parar... tive de voltar ao parágrafo inicial e logo imaginei uma música. E seu texto, quando lido em voz alta, parece um curta-metragem. Dá pra colocar uma música ao fundo, as imagens todas das suas palavras, e pronto: tem toda uma sintonia.

Sim, sim, sim... eu vejo a "Benção de águas" caindo frenéticamente no vai e vem de pessoas, cores e pressa. Eu vejo e escuto uma música sutil - sutil como o título que deu a este post.

[quero te ler mais!!!!!]

Unknown disse...

E as pessoas pedem mais!!! Cadê..cadê...