terça-feira, 1 de abril de 2008

Lembranças

Ele passeia o olhar próspero por toda simbologia presente no quarto,há anos que não visita nada por ali.
Sussurra qualquer coisa terna que não se escuta;e se traduz de saudosismos harmônicos, que na esfera do tempo é indiscutível.
As prateleiras de madeira ainda continuam lá, arrumadas.E vê na sua primeira armação tranquilamente; com os olhares pequeninos,seus soldadinhos de guerra enfileirados ao lado de tanques importados japoneses.Na segunda armação ele encontra a coleção de carrinhos de corrida,carrinhos que ele sempre ganhava de natal do tio Henrique.Que de longe personificava a figura do papai noel barrigudo,ao contrário disso;o papai noel que o visitava era bem mais magro todo ano.
Na terceira,ele encontra suas figurinhas de bafo,revistinhas em quadrinho, e uma velha bola de couro.A velha bola é lembrada com o episódio do vizinho Fabrício,um senhor que nunca casou e nem gostava de crianças,e cujo passatempo principal; era correr atrás de bolas pra furar que caíam no seu quintal.
Ele deveria ter nessa época uns oito ou nove anos,agora ele descia pelo muro intranquilo,afoito,a bola havia caído na grama verde,fruto de uma dividida mais forte com o zagueiro.Fabrício abre a porta da frente aos berros,xingando toda sua geração e com a faca na mão.Ele desliza o corpo nervoso pro outro lado do muro,onde garotos sorridentes aos berros e assovios, conclamavam em comum,o herói daquela tarde.Sim,ele lembrou da cara feia que o Fabrício fez quando conseguiu fugir,e ria cínico.
Agora via a parede interna do armário marrom,vários pôsteres de mulher nua e alguns adesivos desgastados do Havaí.A cama era conhecida de seus segredos noturnos depois de festas,quando chegava com alguma mulher por ali,e às escondidas transava enquanto os pais dormiam.Quinze anos que já não morava mais com a mãe,quinze anos certinho.Mas sempre visitava seu lar nos fins de semana para almoçar com a velha.
Seu pai havia ido a quatro anos atrás,morreu de morte natural mesmo.Chegou a comemorar o último aniversário em casa .Pedira como se fosse último desejo,uma torta de chocolate.Ele como o pai;adorava torta de chocolate.Comeu uma boa parte do bolo com ele,disse que ia repousar a mulher e não mais levantou no outro dia.Seu irmão mais novo sofrera um acidente automobilístico no feriado de páscoa.Era muita dor pra um coração só de mãe.
Ela apareceu ali por trás dele,sem avisar.Ele pousou os cotovelos na janela,acendeu um cigarro e tragou longamente.Os dois permaneciam em silêncio,pesarosos.Lá fora a monark enferrujada era enlaçada pela trepadeira avantajada do Maracujá-grande.O cachorro Bandit ainda estava vivo,aquele cachorro deveria ter mais de dez anos,foi ele que levara o cachorro pra casa,presente de ex namorada.Falando em ex,ele estava ali pra isso;iria avisá-la que visitaria o filho que completava esse ano dezenove anos.Fruto aventureiro de sua estada na Austrália,quando ainda adolescente e surfava.Dezenove anos que prolongou sua visita,dezenove anos fisicamente ausente do garoto.Só o conhecia apenas por cartas e fotos familiares.Não sabia o que deveria falar ou dizer pra ele.Era dezenove anos de dor-de-cabeça consumida,um pai falho em muitos aspectos,longe do que foi o coroa pra ele.
Vou visitar o meu filho mãe,ficar um certo tempo pela Austrália.Não sei se volto tão cedo.Ela fica calada,imóvel,ainda pesquisando nuvens distantes no céu.Reage reprovando olhares para o filho.Sai do quarto a passos lentos.Ele ainda continua olhando pro quintal,como se nada tivesse acontecido,está no segundo cigarro,tira uma foto amassada da carteira.É seu filho com a namorada ruiva.Tem várias espinhas no rosto e cabelo curto,o mesmo sorriso largo dele,o mesmo sorriso largo que seu pai tinha.Sua namorada tem pearcing no umbigo e orelha,tatuagens combinativas pelos braços,fala três idiomas e entende de Horácio.Ele acha que o filho está muito bem de mulher,e sorri.
A mãe vasculha entre os livros velhos da estante,um álbum de retratos,abre as folhas com cuidado e vai divagando carinho pelas páginas.Cada foto um acontecimento memorável,uma pausa pra reflexão de vida.
Observa uma de forma compenetrada.Nelas:Marcelo,Arthur(o filho mais novo)-e Fernando seu eterno amor estão unidos.Os três brincam num balanço vermelho que ficava na praça do bairro,os três com o mesmo sorriso largo.Era ainda início de vida e Fernando havia adquirido a primeira casa própria.Marcelo agora se encontra com a mãe na sala.Senta ao seu lado no sofá vermelho.Lhe dá um abraço ampáravel,e divide os olhares nas fotos. O carinho do filho a conforta.Entende agora sua situação,mas não entendeu e nem nunca vai querer entender a saída do filho mais novo, que não pôde se despedir com o último abraço...

Um comentário:

BIA disse...

Continuo sentada lendo-o!

Sabe que não posso beber café assim... Mas adoro o cheiro do café no fogão e pão caseiro com linguiça!

Você deve ser um ser humano muito lindo e profundo!

É interessante, como me sinto tão bem por aqui...

Abraço-o ternamente

BIA